segunda-feira

Desde Huxley e Orwell, os britânicos se destacam pela distopia, essa coisa de nos assustarmos com um futuro já anunciado pelo presente. Claro que em 1984 e Admirável Mundo Novo vislumbrava-se o fantasma do totalitarismo, crescente na época. O que hoje ameaça a democracia é a chegada ao poder, pelas vias legítimas, de sujeitos que desprezam seus valores — um fenômeno muito contagioso. “O inimigo da democracia está dentro dela”, diz a manchete da The Economist desta semana.

As melhores distopias da TV também são britânicas. Black Mirror (Netflix) nos faz pensar aonde chegaremos com a tecnologia que tudo vê. Série de sucesso e bem pensada, ela foi perdendo brilho em cinco temporadas (e um fracassado episódio interativo). Já não surpreende tanto.

O último sobressalto é dado pela vertiginosa Years and Years (HBO). Aqui há mais política que tecnologia, embora seja possível usar emoticons na cara ou transferir a mente para a nuvem a fim de se tornar transumano. O pior é que em 15 anos a partir de 2019 (seis capítulos) acontece isso que intuímos e preferimos pensar que não chegará: um conflito aberto entre EUA e China, uma falência bancária em cadeia, fronteiras fechadas, campos de refugiados e de concentração, retrocessos em todas as liberdades. E o auge de políticos sinistros: aos Putin, Trump e Xi soma-se o personagem encarnado por Emma Thompson, uma mistura de Farage e Le Pen. A Espanha aparece, e tampouco se livra. Vivemos isso a partir dos olhos de uma família de Manchester atingida pela crise.
Tudo dá medo porque não é de modo algum inimaginável. O criador da série, Russell T. Davies, confessa: “Tive que escrevê-la rápido antes que outro o fizesse, e tivemos que exibi-la rápido antes que as coisas do roteiro acontecessem.” Por pouco a estreia se antecipa a Boris Johnson. Na democracia mais tradicional do mundo, começam a ocorrer coisas em que não acreditaríamos.

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