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Após o episódio envolvendo o vice-presidente da Câmara Municipal de Goiânia, Clécio Alves (MDB), e a vereadora Tatiana Lemos (PCdoB), que teve seu microfone cortado pelo parlamentar ao tentar defender um projeto de lei de sua autoria, o Jornal Opção ouviu as cinco representantes femininas do Legislativo goianiense para entender quais dificuldades as mulheres enfrentam nestes espaços de poder predominantemente masculinos.

Para a vereadora Tatiana Lemos, apesar de serem “aceitas” na política, ainda existe uma expectativa de como as mulheres devem se comportar. “A maioria dos homens, friso sempre que não são todos, se enxergam como autoridade. Para eles, cabe a nós, mulheres, uma posição mais tímida e observadora, quase contemplativa. Então quando temos uma postura firme, com opinião, incomodamos”, avalia a parlamentar que ganhou o apelido de “pantera” na Casa.

Segundo Tatiana, só é possível mudar esse cenário a partir de mais posicionamentos e com a ampliação da participação feminina na política. “Somos a maioria da população e do eleitorado, mas nos espaços de decisão somos minoria. Não estamos ali para enfeitar ou alegrar o ambiente”, pontua. “Ele [Clécio Alves] não percebeu que foi agressivo, pois essa é uma postura costumeira dele, talvez se percebesse até pediria desculpa”, acrescenta.

Questionada sobre episódios de machismo na Casa, a parlamentar diz que foram vários, mas cita um “caso emblemático”.  Ela conta que em seu primeiro mês de mandato, um colega de Parlamento disse que ligaria para seu pai para orientar o voto em determinada matéria. “Eu fui eleita, não meu pai. Cito outro caso em que um vereador me chamou para resolver lá fora”, revela.  Sobre a mais recente polêmica, Tatiana diz que não queria que tivesse chegado a esse ponto.

Eu não posso fingir que nada aconteceu

“Mas, como parlamentares que somos, temos que dar o exemplo. Por isso, espero que o Clécio reconheça que esquentou a cabeça e peça desculpas pela forma como falou. Já eu tenho que dar o exemplo de que quando somos agredidas devemos reagir. Eu não poderia simplesmente fingir que nada aconteceu. Somos espelho para outras mulheres agredidas verbalmente”, encerra a parlamentar.

A vereadora e presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Sabrina Garcês (PSD), também conta ter passado por alguns constrangimentos em sua trajetória política. “Quando fui indicada para assumir a CCJ foi um escândalo. Duvidaram da minha capacidade pela minha pouca idade e de fundo por ser mulher. Enquanto isso, o Lucas kitão pleiteava a Comissão Mista, temos a mesma formação e idade, e ele não foi questionado. Foi um momento simbólico”, aponta.

“As reuniões são quase sempre com homens e com o tempo fui aprendendo a lidar, mas no inicio foi intimidador. É notória a surpresa deles a partir de comentários dizendo ‘nossa não sabia que você dominava tal assunto’. É um espanto”, conta a vereadora. Além da estranheza, Sabrina diz que ainda não é comum os partidos apostarem em candidaturas femininas. “Soma-se a isso o fato de geralmente termos uma dupla jornada com a criação de filhos e tarefas domésticas”, diz.  

Apesar de serem apenas cinco mulheres na Câmara, as vereadoras conseguiram ampliar suas vozes com a inclusão de todas na CCJ. “Lá, somos maioria e isso nos dá força. Por exemplo, o projeto dos professores só andou porque ameaçamos travar as pautas na CCJ. Somos minoria, mas temos conseguindo atuar, propor leis em defesa de pautas importantes e incentivar outras mulheres a também ocuparem esse espaço”, finaliza.

Violência não é só física, mas também verbal e psicológica

A vereadora Priscilla Tejota (PSD) lembra que a mulher sofre discriminação não só na política, mas no mercado de trabalho e demais espaços. “Violência não é só física, mas também verbal, psicológica. E, nesse episódio com a Tatiana, envolvia um cargo de poder pois o Clécio estava conduzindo a sessão. Ele  representava um poder e jamais poderia ter agido com aquela truculência”, analisa.

“Os homens se manifestam com violência costumeiramente, mas se uma mulher fala mais alto para defender sua opinião é louca, está de mimimi, mau humor. Ou seja, temos que seguir um protocolo. Os homens não são julgados e nós temos tido uma postura de cobrar e interferir publicamente para solucionar situações como essa”, explica Priscilla. “O principal medo da mulher ao denunciar qualquer violência é o julgamento, porque a mulher sabe que precisará também se defender”, conclui.

Dra. Cristina (PL), vereadora e pré-candidata à prefeitura de Goiânia, faz coro às colegas ao classificar a política como um ambiente machista. “A composição geralmente é de homens e homens brancos, isso no mundo todo. E esses homens têm uma espécie de pacto de solidariedade, uma cumplicidade na vida e na política isso se acentua”, afirma Cristina. “Para defender seus interesses eles atropelam as pessoas, especialmente mulheres. Como o Clécio ali, que queria garantir o veto e por isso agiu de forma agressiva, bélica”, detalha.  

“Foram três segundos entre ele ler o projeto e colocar em votação. Eu também queria discutir e não consegui”, argumenta a vereadora, ao defender que as mulheres precisam ter inteligência emocional e se unir. “Na Câmara somos mulheres de matizes e partidos diferentes, mas temos a consciência de que hoje foi a Tatiana, amanhã pode ser eu”, pontua. “O Paulo [Magalhães] falou ali em nossa defesa, mas no geral a cumplicidade é grande. Eles têm medo de se posicionar contra outro homem”, completa. “A retratação é o mínimo. Ele se diz humilde, mas não foi capaz de reconhecer que exagerou no tom”, encerra.

A vereadora Léia Klebia (PSC) também falou sobre o tema e enfatizou que apesar de enfrentar enormes desafios por ser uma mulher na política, não pensa em desistir. “Situações assim já aconteceram comigo, não em Plenário, mas nas secretarias e outros espaços. As dificuldades são enormes. Entendo que o vereador Clécio extrapolou e pedi na tribuna que ele se retratasse, pois a humildade traz a grandeza”, conta a vereadora.

“Esses desafios nunca vão me fazer parar, sou uma mulher determinada. Mas reconheço que pode intimidar muitas outras mulheres a entrar nesse meio. Diante disso, sempre me coloquei na Câmara como uma porta-voz e uma das minhas principais bandeiras é na luta em defesa da valorização da mulher”, afirma Léia, que idealizou a realização de uma marcha toda primeira quinzena de março, contra a violência. “A violência contra a mulher está em casa, na rua, no ambiente de trabalho, na faculdade”, conclui.

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