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Em 2014, dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) estimava ao menos 30 milhões de animais abandonados somente no Brasil. Seis anos depois, este número não reduziu. Com a pandemia de coronavírus, ongs não governamentais e entidades de proteção animal avaliam que o número de abandonos saltou. Uma das principais causas apontadas para esse aumento é o desemprego e as dificuldades financeiras enfrentadas pelo fechamento de atividades econômicas.
“Houve um aumento significativo nos abandonos. Inclusive animais de raça. Cães que são comprados estão sendo abandonados. Cães com manutenção cara, temos visto muitas raças de pelos longos nas ruas”, contou Neide Santos, protetora de animais e fundadora da ong não-governamental Santuário dos Animais, em Goiânia.
Para ela, são dois os principais motivos que têm levado ao abandono nos últimos dias. “Primeiro, por falta de dinheiro, de trabalho. As pessoas não estão conseguindo alimentar, manter e acham que é mais fácil abandonar nas ruas, porque acreditam que os animais vão ser resgatados por ongs. Eles acham que ongs recebem ajuda do governo, o que não acontece”, disse.
“A grande maioria que tem abandonado por conta de dinheiro ficaram sem trabalho, muitas famílias têm passado fome. Sabemos que o auxílio-emergencial não saiu para todos. A prioridade é alimentar a família e os animais ficam em último lugar. É mais fácil abandonar eles”, explica a protetora.
“Outro motivo que acredito é que muitas pessoas, por desinformação, têm medo dos animais transmitirem a Covid-19. Muitos acham que os animais passam o vírus, entre gatos e cachorros, e por isso são abandonados”, apontou.
De acordo com ela, os locais com maior incidência de abandono na cidade são nas periferias, bairros mais pobres. Os animais são largados à própria sorte em diversas situações. “Em portas de abrigos sempre houve abandonos. Ruas, parques onde o pessoal costuma correr, eles são amarrados em árvores. Deixam a coleira, caminha, o enxoval completo com o cachorro”, conta Neide.
Ela também alerta para um novo problema que os protetores têm se deparado. “Animais que estavam nas ruas eram alimentados por restaurantes, pit dogs, pessoas que trabalhavam em obras. O que sobrava da comida, eles alimentavam os animais de rua. Por estarem fechados agora, muitos animais estão morrendo de fome”, observa.
“Além de ter crescido a quantidade de animais nas ruas. Os trabalhadores deixavam o restinho nas marmitex para os cães. Temos encontrado uma situação muito triste de animais morrendo de fome nas ruas. Temos, inclusive, feito uma campanha para que as pessoas coloquem potinhos de água e ração nas portas das casas. Conforme os animais passam, eles se alimentam. Se muitos fizerem isso, muitos animais em situação de rua não morrerão por fome”, aponta a protetora.
A advogada Pauliane Rodrigues da Silva Mascarenhas, presidente da Comissão Especial de Proteção e Defesa animal da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB-GO) também acredita que muitas pessoas abandonam por achar que os pets serão transmissores do novo coronavírus. “Não sei se por falta de informação de que os animais não transmite Covid-19. Não sei se as pessoas não estão se informando direito e com isso começou um ciclo grande de abandono”, comentou.
Outra razão, segundo ela, é a falta de planejamento em levar um bichinho novo para casa. “Adotam por impulso, porque acham o animal bonitinho, acham que animal não dá trabalho, não vai ficar doente… Não planejam adotar uma vida. Elas têm que ter consciência de que estão levando uma vida para casa, não um objeto, uma coisa que se mudar sua estrutura familiar você pode abandonar”, falou.
“As pessoas precisam planejar a entrada desse animal dentro de casa, conversar com as pessoas da família, ver se todos têm interesse, concordam com a adoção. Pensar se há risco de perder o emprego. O animal, tanto adulto como filhote, tem fase de adaptação. Mas o filhote ainda vai destruir várias coisas dentro de casa, pois estão descobrindo a vida. As pessoas não fazem o planejamento. Acham que animal é sobre pegar, levar para dentro de casa e o animal vai se virar que tudo vai ser lindo e maravilhoso”, diz a advogada.
“Cachorros choram, estragam coisas, têm que se adaptar. Às vezes o animal não teve muito contato com humanos. Não planejam o que fazer com o animal na viagem. Por exemplo, se eu viajar nas férias, quem vai cuidar deste animal? Na pandemia, eu achei que aconteceria o contrário. Achei que as pessoas fossem adotar mais e abandonar menos. Teve muita adoção? Teve, mas teve mais abandonos”, apontou.

Risco após a pandemia


Como também tem crescido o número de adoções no período de isolamento social, um medo de protetores é de que grande parte dessas pessoas que levaram animais para casa para não se sentirem solitários abandonem os bichos quando toda essa situação passar.
“Em uma triagem que fiz, a pessoa me falou que adotaria o animal nesse período de pandemia para que o filho tivesse uma distração. Animal não é distração, é uma vida, igual a minha e a sua. E depois do período de pandemia? O animal não é objeto, que depois pode se abandonar”, alertou.
Pauliane considera que a fiscalização dos órgãos competentes em relação a questões de abandono e maus tratos piorou durante a quarentena. “Não sei se por conta do isolamento social tem menos equipes. Andando nas ruas, vemos o tanto de animais. Não sei se por estar tendo menos gente, mas ando assustada. O tanto de pedido de resgate que vejo nas redes sociais. Não sei se não estão tendo equipes ou se há revezamentos dentro dos órgãos que fiscalizam, que são a Agência Municipal de Meio Ambiente (Amma) ou a Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o Meio Ambiente (Dema), ou se há um aumento em outras ocorrências.”
“A Dema cuida de fauna e flora, além de fiscalizar o Estado inteiro. A Amma também cuida de outras questões, não apenas animais. Verificam som, perturbação de sossego alheio… Não sei o pessoal reduziu, mas acho que a fiscalização piorou”, avaliou.

“Temos temor de mais abandonos depois do período de isolamento social e as pessoas não terem planejamento. Como falei, as pessoas adotarem por impulso e depois abandonarem como objetos. Lembrando que é crime previsto na lei 9.605 art. 32 e no decreto 24645. Também temos a lei municipal 9.866 que também trata da questão do abandono, que além de crime tem multa. Mas é um crime muito difícil das pessoas serem pegas, porque às vezes a pessoa abandona o animal e como ele não tem identificação, não dá pra saber quem é o tutor para multar”, informou.

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